Giuliana Kauark em Notícias
Para compreender as razões pelas quais a Convenção para a Diversidade Cultural foi proposta é necessário voltar ao período pós-segunda guerra e acompanhar a construção de uma nova ordem econômica mundial, de um contexto político internacional e de seus impactos nos Estados Nacionais, nas relações diplomáticas e na cultura contemporânea. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria uma série de fenômenos auxilia na configuração de uma nova fase da globalização. Destacam-se o processo de descolonização, a conseqüente emergência de novos Estados Nacionais e a participação destes em recentes organismos multilaterais que têm a função de regular a nova ordem política e econômica criada em decorrência do Acordo Bretton Woods. Presencia-se ainda no período de 1945 a 1973, a hegemonia dos EUA como potência econômica e financeira e a expansão de empresas transnacionais (sobretudo norte-americanas) que estabelecem novos padrões de produção, acumulação e de divisão de trabalho. Essas empresas são então consideradas agentes fundamentais na internacionalização econômica na medida em que concentram a maioria das transações comerciais e financeiras. A partir da década de 1970 verificam-se mudanças na internacionalização da economia, com a crise do petróleo, a ruptura do padrão dólar, a supressão de restrições de câmbio, a implementação de um regime de acumulação flexível, bem como com a privatização de empresas e atividades públicas. “A resposta imediata foi o ressurgimento da inflação, que reapareceu como ameaça até mesmo às moedas mais estáveis, redução das margens de lucro, desemprego e crise no balanço do pagamento” (Kraychete, 2006: 415). O FMI e em seguida o Banco Mundial conduziram a implementação de reformas estruturais e políticas para estabilizar esta crise econômica, como também as definições do papel dos Estados Nacionais. Observa-se, assim, que um dos principais impactos desta nova ordem mundial, na qual Estados, empresas e organismos multilaterais estão em interação constante no que se refere à investimentos, promoção do desenvolvimento e à implementação da democracia, incide sobre a idéia de soberania. Segundo autores como Bertrand Badie, Marie-Claude Smouts e Robert Cox, os países mais desenvolvidos construíram um sistema multilateral que atende sobremaneira suas necessidades internas e que cria nos países pobres ou jovens soberanias fictícias. Em paralelo a isto, há uma “banalização crescente do ato de invasão da soberania do outro - o apoderar-se da vida política interna do vizinho para fins estratégicos próprios torna-se uma prática quase corrente” (Badie, 2000: 144-145).A falência dos Estados [mais jovens, mais pobres e menos dotados] (…) conduz também a uma apropriação parcial da sua soberania pelas organizações internacionais, especialmente aquelas especializadas no financiamento multilateral do seu desenvolvimento. Depois de ter elogiado, com a vaga de descolonização, os méritos do desenvolvimentalismo e do Estado, o Banco Mundial apregoou sucessivamente o recuo da ação publica, a diminuição sensível do aparelho das burocracias, e depois as virtudes da good governance que se assemelha de maneira chocante a prescrição ativa de um ideal liberal e pluralista próprio da cultura americana. Recomenda-se agora um Estado apresentado como um suporte institucional, garantindo o respeito da lei e da ordem, protegendo a propriedade privada e encorajando assim a produção e o investimento. (Badie, 2000: 139-140) Nesta conjuntura as nações não são as únicas instâncias de elaboração e determinação das medidas políticas voltadas para seu próprio território. O global e o local se combinam em um novo processo, indicado por alguns estudiosos como glocalização, no qual esses termos não estão “nem [em] uma justa ou sobreposição de territorialidades em escalas distintas (o global e o local), nem [em] uma imposição unilateral de eventos que ocorrem em uma escala sobre os de outra (o global sobre o local)” (Haesbaert, 2006: 347). Este “local” não deve, naturalmente, ser confundido com velhas identidades, firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da globalização. Entretanto, parece improvável que a globalização vá simplesmente destruir as identidades nacionais. É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações “globais” e novas identificações “locais”. (Hall, 2005: 78) Um dos pressupostos teóricos acionados no debate sobre a Convenção é a ambigüidade da globalização em ser, ao mesmo tempo, homogeneizadora, na medida em que tende a uniformizar mercados, padrões ou valores culturais, e heterogeneizadora, quando põe em contato diferentes culturas ou ainda quando radicaliza as diferenças. O que se observa concretamente é a globalização de um aspecto de cultura local que se desenvolve a partir de um certo localismo e ganha mundo. O particularismo de uma cultura é aceito e consumido por outras culturas passando a compor um aspecto da cultura popular global, sendo, por sua vez, moldado e influenciado por ela. “Reprocessamentos” e apropriações vão enriquecendo as culturas locais e transformando as identidades individuais e coletivas. Este processo, no entanto, não é democrático e muito menos simétrico no sentido de o poder econômico é na maior parte das vezes determinante na moldagem dessa cultura popular global (Alvarez, 2006: 24).
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